terça-feira, maio 17, 2005

Instante



Debruçada na sacada do quarto, esperava-o com certa ansiedade. Vigiava os carros e pedestres adivinhando neles sua aproximação. Lá dentro, tudo pronto: frutas e castanhas no balcão da cozinha, duas taças, um vinho na geladeira, jogo de luzes e sombras. Como seria? Não gostava de imaginar. Não atendeu aos seus telefonemas durante o dia, menos o primeiro: o que confirmava o recebimento das flores pela manhã, com um convite: Janta comigo hoje? Indicava o local e a hora. Foram dois anos de assédio cuidadoso e paciente. Sim, admirava-lhe a persistência, refletia enquanto olhava-se no espelho minutos antes. Preparou-se com esmero: um banho de imersão com ervas aromáticas, lingerie nova, vestido de tecido leve com alguma transparência. A despeito de todas as intenções expressas em gestos e olhares, nunca haviam se tocado. Como seria? Não queria imaginar. Sabia que o sonho matava o instante. Ouviu a campainha e correu para a porta. Era ele. Não conseguira vê-lo pela sacada, mas observou com agrado que estava perfumado e com os cabelos úmidos. Cumprimentaram-se cordialmente com certo constrangimento. Numa fração de segundo, uma sensação perturbadora: viu-se como professora nos olhos dele. O quanto havia lhe ensinado? O que seriam agora? Fizeram comentários banais sobre o ambiente antes que ele se colocasse ao seu lado para dizer que estava tudo bem. Antes que a tocasse levemente com a mão e, num lance de surpreendente fúria, a tomasse pela cintura e a beijasse sofregamente. Dois anos por este dia. Fizeram o amor do desejo e da espera. Lavaram os pratos juntos, mantiveram-se abraçados frente à sacada que revelava a noite clara sobre prédios altos. Conversaram amenidades próprias aos momentos sem promessas. E nunca mais se encontraram novamente.

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