domingo, setembro 16, 2012

Pantocrator

Cristo Pantocrator com duas faces, a divina e a humana.
 Monastério de Sta Catarina, Monte Sinai.

É sempre impactante encontrá-lo nas primeiras horas da manhã. Com o seus cabelos longos, o jovem caminha por entre os carros e lança um olhar inquiridor que atravessa o vidro e a indiferença dos que aguardam na fila pelo sinal verde. Sua expressão é daqueles que já não fazem mais parte desse mundo, a mesma que vemos nos que estão na antesala da morte, para além da vida. Sobre um de seus ombros pende um cobertor surrado que ele ajeitou à moda das vestimentas antigas: um manto que cobre parte de suas roupas rasgadas e que ele segura com uma das mãos como se fosse um senador romano. A outra ele movimenta como um mudra que perfaz o gesto da bênção dos ícones antigos: seus dedos ora se unem na indicação trinitária que abençoa e materializa os mistérios do céu e da terra, ora se espalmam no gesto da súplica pela esmola. Seu olhar não implora, mas solicita com legítima autoridade e nos culpabiliza pelo que nem sabemos nominar. Algo entre a omissão social e a podridão egoísta de nossa natureza humana e bestial. Nosso Pantocrator diário tem a resistência do ícone que personifica: já o vimos em outras esquinas, com as mesmas mãos sobre a boca, segurando um plástico com algo que ele aspira com sofreguidão. Já o surpreendemos em uma corrida, de banho tomado, atravessando as ruas como um atleta que se prepara para um festival olímpico. Mas ele sempre comparece no horário sagrado das manhãs. E embora mantenhamos a distância por entre o vidro fechado do carro, ele nos acompanha e continua conosco pelo resto do dia.

sexta-feira, setembro 07, 2012