domingo, abril 26, 2009

A Calúnia e a Fofoca



Aqueles pós, (trouxeram esses lodos).
Da série Os Caprichos de Goya (1792)


Perseverar no cumprimento de seu dever e guardar silêncio
é a melhor resposta à calúnia." (George Washington)

A Calúnia e a Fofoca

Roque Theophilo

Calúnia é um termo que vem do latim, calumnia, engodo, embuste. A calúnia não se confunde nem com a difamação nem com a injúria, outros dois crimes contra a honra. A difamação (do latim diffamare) significa desacreditar, sendo um crime que consiste em atribuir a alguém fato ofensivo à sua reputação de pessoa fiel à moralidade e aos bons costumes. Não se confunde com a calúnia, pois esta consiste numa imputação injusta de fato tipificado como crime. Na difamação o que se busca é desacreditar a vítima, embora sem apontá-la como autora de fato criminoso. (...)
Quanto à injúria do latim injuria, de in jus, injustiça, falsidade, trata-se de um crime contra a honra consistente em ofender, verbalmente, por escrito, ou fisicamente (injúria real), a dignidade ou o decoro de alguém. A injúria ofende o moral, abate o ânimo da vítima, ao passo que a calúnia e a difamação ferem a moral da vítima. (...)
Fofoca é o mexerico, intriga, a bisbilhotice. É um mal que para muitos é divertimento sem importância, mas que é extremamente destrutivo: A vontade de passar informações faz parte do homem, é a comunicação, é uma ação humana natural e normal, mas na maioria das vezes esquecemos do outro e não medimos as conseqüências das nossas palavras. Quando uma pessoa não controla a cobiça, o resultado é a inveja, que desperta o instinto animal de prejudicar o próximo pela difamação. O vaidoso que é infestado pelo orgulho e pela arrogância, é muito propenso a usar a fofoca. (...)
Afirmativas como “onde há fumaça há fogo”, em verdade são armas utilizadas pelos caluniadores. O correto é: “onde há fumaça há um caluniador”. Para bom entendedor, quem está sendo exposto não é o caluniado, mas sim o caluniador: revela-se e desvenda um interior conflitado.
O caluniador é uma pessoa que está sempre em conflito consigo mesmo. Quem está de bem com a vida não tem sequer vontade de caluniar, quer apreciar as coisas boas da vida.
Por vezes, as pessoas lidam de forma inadequada com suas perturbações. Por exemplo, passam a ingerir muita bebida de álcool, ou mergulham num mundo imaginário e se afastam da vida real. Outra forma inadequada é a calúnia. O caluniador procura transferir seu desequilíbrio para outra pessoa. Lançando uma calúnia ele percebe que o interior da pessoa atingida começa a se desorganizar. Para que isso ocorra, a calúnia deve ser impactante, deve penetrar no interior da vítima e estourar como uma bomba. Portanto, agora quem está desequilibrado é o outro e não mais ele. Ou há mais alguém perturbado e em sofrimento como ele.
Como este artifício é fantasioso, não promove um alívio duradouro ao caluniador, como um vício ele sente necessidade de repetir e repetir o ato de caluniar. É uma falsa saída para seu desequilíbrio. É como se alguém pegasse o lixo de sua casa e jogasse no pátio do vizinho. Por alguns momentos tem a sensação de estar limpo. Mas o lixo reaparece na sua casa, pois ela é o gerador de lixo.
Existem dois tipos de caluniadores: aquele que calúnia sistematicamente e aquele que o faz num momento em que sua vida não vai bem.
E existem também as pessoas que levam adiante a calúnia gerada por outro. É um fenômeno que acompanha a humanidade desde sempre. Um dramaturgo romano, Plauto, escreve em uma de suas peças: “Os que propalam a calúnia e os que a escutam, se prevalecesse minha opinião, deveriam ser enforcados, os primeiros pela língua e os outros pela orelha”.
Brincadeiras à parte, temos que aprender a lidar com estes fenômenos. Todos estamos sujeitos a ele. Sheakespeare escreveu: “Mesmo que sejas tão puro quanto a neve, não escaparás à calúnia”.(...)
Aquele que se percebe gerando calúnia se beneficiará de uma ajuda profissional para procurar lidar de uma maneira mais eficaz com seus desequilíbrios.
Provavelmente, graças a esse poder contaminante do pensamento primário é que, muitas vezes, julgamos uma causa por sua aparência, brigamos com amigos por detalhes fúteis e esquecemos o imprescindível para guardar o periférico. (...)

quinta-feira, abril 23, 2009

Os Olhos Mentem



"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"
...
metade de mim agora é assim
de um lado a poesia, o verbo, a saudade
do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim

e o fim é belo, incerto, depende de como você vê...

(Fernando Anitelli, da troupe O Teatro Mágico, indicação da Saori)

segunda-feira, abril 20, 2009

Ofélia


Para os amores mortos e loucos, - aqueles que se auto-sacrificam e, envoltos em flores, ingenuidade e delicadeza se precipitam nas águas, - a fluidez de Ofélia de Elsinore, o emblema do sonho e da fragilidade em cada um de nós.




J.E.Millais, Ophelia, 1851.


Às vezes, quando vou por altas horas, quando
fujo através da noite, a este amor que reveste
de um tênue véu de névoa a face do meu sonho,
de lábios infantis que, uma e outra vez, murmuram
uma queixa, como a de alguém que se maltrata,
um murmúrio, afinal, que só tu poderias
compreender, fico a olhar os jardins solitários
que ornam a calma azul por onde vou passando.
***
E às vezes, paro e sonho à frente de um cipreste;
outras, invejo o ardor de um canteiro tristonho
alvos lírios claustrais que aromam e fulguram,
como fantásticos turíbulos de prata.
Outras, quando anda a lua entre as ruas sombrias
e as flores tomam o ar de votos funerários,
cada aléia é como um regato cintilando,
onde um Ofélia, de alva e imponderável veste
loira e fria, tombou, morta de amor e sonho.
***
Junto às grades hostis que os jardins enclausuram
e que, ao fulgor da luz, são de ouro, bronze ou prata,
descanso, muita vez, as mãos longas e frias.
E enquanto a lua evoca extáticos cenários
de paisagens do polo e torna em verde brando
todo o azul que lhe nimba a tristeza celeste,
das grades através, como através de um sonho
de prisioneiro, a cujo olhar se transfiguram
as visões do exterior, tenho a visão exata
da noite que convida às grandes nostalgias.
***
Eu sou o doce irmão dos jardins solitários,
que lhes conhece a dor, que os vê da sombra, olhando
pelo ermo e triste e verde olhar de algum cipreste...
Uns são feitos de tudo, enfim, que há no meu sonho.
E é por isso, talvez, que ora ardem e fulguram,
ora são tristes como esses vitrais de prata
onde Cristo ergue a Deus as mãos longas e frias.
***
Eu sou o doce irmão dos jardins solitários,
desses jardins que exalto, amo e celebro,
quando por horas mortas vou,
do amor que me reveste de amargura, fugindo,
ao longo do meu sonho.
***
E, ao longo do meu sonho, os jardins se enclausuram de lágrimas!
(Ah! sobre essas grades de prata quando virás pousar as mãos longas e frias?
Quando abrirás, sorrindo, os jardins solitários, tu que hás de amar-me um dia e que eu espero? Quando?)
***
GUIMARAENS, Eduardo. A divina quimera (1916)

sexta-feira, abril 17, 2009

A Forasteira

Vejo o mundo com lentes
E a sensação estrangeira
De estar sempre de passagem
Com pronta e pesada bagagem

Na mala segredos absolutos
Restos de sonhos cansados
E o tédio infindo de viajar

De ver, ouvir, estar
E não chegar nunca

domingo, abril 12, 2009

Agrocultura e o Amor

Somewhere in time - 1980

Em terra de machões, os homens maduros preferem as mocinhas, ainda mais que os outros. Tem-se aquela coisa de afirmação da virilidade em curva descendente, além das acentuações dos traços do agroman: essa é minha mulher, não é jovem e bonita? Ainda dou no coro. O resto, ou é gigolô, ou é casado, ou é gay. Bem vindos ao ceticismo de entrada e à preguiça amorosa das lobas. Com certa vergonha, elas ainda acreditam, secretamente, no amor. Apesar de tudo: dos casamentos desfeitos, das desilusões, dos cavalos que chegaram sem os príncipes. Ainda assistem Em Algum Lugar do Passado com seus lencinhos e preferem sonhar com amores de ontem, ou com os que virão quando as antenas estiverem mais ajustadas e eles as cobrirem de romantismo novelesco e aceitarem dormir em quartos separados. Elas mantêm-se solitárias, claro. Aut Caesar, aut nihil.

domingo, abril 05, 2009

A Dor

“Conclusão: a própria dor deve ter sua medida: É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira da nossa dor.”
Paulo Mendes Campos

daqui:
http://colunistas.ig.com.br/palavrasdafal/2009/03/30/nao-e-justo/