quarta-feira, dezembro 30, 2009

Revelação

Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos,
queria apertá-los ao peito, sentí-los bem e morrer!
Álvaro de Campos. Ode Marítima


Havia sido formalmente convidada. Viajou com alta carga de stress funcional como era de costume. Manter o foco, era essa a atitude que alimentava a profissional e fazia com que ignorasse o espaço, as pessoas e todo o resto. Aeroporto, táxi, balcão do hotel. Deitou as malas no chão do quarto e abriu as portas da sacada. Daí, a surpresa. O mar. Era o mar. A brisa marítima invadiu o quarto e aguçou-lhe os sentidos. O céu, as ondas e aquele entardecer a fizeram lembrar de quem havia sido. Alguém que estava ao lado, dentro, sabe-se lá em que tempo ou lugar. Por instantes, ela era outra. Recordou-se de velhos e simples desejos. Sentiu-se só e chorou. Sabia que a dor maior da solidão era não ter com quem compartilhar alegrias. Calçou um tênis e correu para a praia, antes que o sol fosse embora. Falou com desconhecidos, sentou-se pouco à vontade junto a um banco em frente às ondas, mas voltou logo para o quarto, para as malas, o texto da conferência que ainda precisava de ajustes. Sim, era essa sua zona de conforto diante de todas as misérias pessoais. Trabalhou até ficar com sono e sentir-se menos ridícula por aquele inadequado êxtase marítimo. A conferência foi um sucesso, muitos a parabenizaram pela competência e inquestionável segurança.