sexta-feira, junho 17, 2005

A Via de Chuang Tzu

Refugio-me na leitura de Chuang Tzu, em sua sabedoria do século II a.C., quando estou desanimada com tantos problemas:

A Metamorfose

Quatro homens entraram em discussão.
Cada qual falou:
"Quem souber ter o vazio como cabeça,
A vida como espinha dorsal
E a morte como cauda,
Este será meu amigo!"

Nisto todos se entreolharam,
viram que concordaram,
Riram alto
E ficaram amigos.

Depois um caiu doente
E o outro foi visitá-lo.
"Grande é o criador", dizia o doente,
"Que me fez como sou!
(...)
meu corpo é o caos,
mas minha mente está em ordem".

Seu amigo perguntou-lhe:
"Você está desanimado?"

"Qual nada! Por que haveria de estar?
Se Ele me separa e faz um galo
No meu ombro esquerdo,
Eu anunciarei a madrugada.
Se Ele fizer um arco
Do meu ombro direito
Procurarei um pato assado.
Se meu assento se transformar em rodas
E se meu espírito vier a ser um cavalo
Prepararei minha própria carroça
E andarei por aí."

Há um tempo de juntar
E um tempo de separar.
Aquele que entender
Este curso dos acontecimentos
Toma cada novo estado
Em sua devida hora.

Sem nenhuma tristeza nem alegria.
(...)
A natureza é mais forte do que todas as cordas e elos.
Sempre foi assim.
Onde está uma razão
Para desanimar?


Quando estou com vontade de "matar alguém", leio este:

O Galo de Briga

Chi Hsing Tzu era treinador de galos de briga
Para o Rei Hsuan.
Estava treinando uma bela ave.
Sempre perguntava o Rei se a ave
Estava pronta para a briga.
"Ainda não", dizia o treinador.
"Ele é fogoso. É pronto para atiçar briga
Com qualquer ave. É vaidoso e confiante
Na sua própria força".

Depois de dez dias, respondeu novamente:
"Ainda não. Eriça-se todo
Quando ouve outra ave grasnar."
Depois de mais dez dias:
"Ainda não. Ainda está
Com aquele ar irado,
E eriça as pernas."

Depois de dez dias
Disse o treinador:
"Agora ele está pronto.
Quando outra ave grasna,
Seu olho nem pisca.
Fica imóvel
Como um galo de madeira.
É um brigador amadurecido.
Outras aves olharão para ele de relance
E fugirão."


E, por fim, leio este outro quando acho que as coisas estão insuportáveis e começo ansiosamente a estabelecer prazos para o fim do meu suplício:

A Necessidade da Vitória

Quando um arqueiro atira sem alvo nem mira
Estará com toda a sua habilidade.
Se atira para ganhar uma fivela de metal
Já fica nervoso.
Se atira por um prêmio em ouro
Fica cego
Ou vê dois alvos-
Está louco!

Sua habilidade não mudou.
Mas o prêmio cria nele divisões.
Preocupa-se.
Pensa mais em ganhar
Do que em atirar-
E a necessidade de vencer
Esgota-lhe a força.

quinta-feira, junho 09, 2005

Felizes Demais

Aprendo muitas coisas com minha filha MC no alto de seus treze anos. Com uma índole identificada com a personalidade gótico-metal (felizmente mais nightwish do que iron maiden) ela despreza pessoas "felizes". Faço-lhe a pergunta óbvia-idiota, no seu estilo comunicacional: - Ow, tipo, ser feliz não é bom?. Ela me explica fazendo caras e bocas e traduzo assim, o que consigo compreender: ser "feliz", é ser deslumbrado. Para as "pessoas felizes" tudo é lindo, cor de rosa, maravilhoso. "Pessoas felizes" tendem a uma visão superficial da vida e por esse motivo, tornam-se desprezíveis.

quinta-feira, junho 02, 2005

Constatação

Li hoje, com atenção:

Não sou substituível para quem me ama. Sou substituível para quem me usa.

quarta-feira, junho 01, 2005

Nino

A esta hora Nino deve estar na mesa de cirurgia para uma orquiectomia. Tomará anestesia geral. O fato de estar aborrecida com ele depois que fez xixi no meu livro do Kundera (o dos amores que se tornaram não só risíveis, mas malcheirosos e impossíveis), não significa que não lhe desejo todo o bem do mundo. Ele anda desanimado, com um problema resistente de pele e, a partir de hoje, se tornará definitivamente estéril. Que o deus dos gatos possa me perdoar por minha parcela de culpa nisso tudo. Respire, Heloisa, respire.