sábado, julho 10, 2010

Quem sabe espera a hora

Relógios moles - Salvador Dali

O que quero é um sol mais sol que o Sol...
quero as coisas que existem,
não o tempo que as mede.
Alberto Caeiro

O lugar era escuro, janelas altas com vidros semi-abertos, de onde se podia ver um céu nublado da tarde de julho. Havia papéis na parede com instruções óbvias: “não encostar na divisória”, “acompanhantes devem aguardar na sala de espera”. Ali, tudo cheirava a dificuldades, algo entre o enfado e a opressão. E era tudo tão lento, deus, tão lento. Com a última senha do dia, conseguida ao custo de muito argumento com um segurança armado na porta de entrada, eu também aguardava a vez diante de um aparelho de TV com a imagem chuviscada. Estavam em greve e atendiam “só urgências”. As senhas eram distribuídas às 6h da manhã. Minha senha era a 106 e ainda chamavam a de número 80. Não, eu não podia reclamar. Fechei os olhos e rememorei o que havia me levado ali. Gritei com um gerente de Banco e meu seguro-desemprego foi bloqueado no mês seguinte. Ele me atendeu com a disposição de um funcionário de banco público ouvindo um desempregado. E eu compartilhava a fila com pessoas muito humildes, que mal conseguiam dizer o que precisavam. Foi o suficiente para me acender a fúria cidadã. Depois do meu escândalo, ele ficou uma seda e resolveu tudo muito rápido. Mas, ao final, disse-me, olhando-me nos olhos pela primeira vez: a gente só quer facilitar as coisas. Por um instante daquele olhar, percebi a inconsciência do seu orgulho pelo pequeno poder de gerente de um banco que nem tinha dono. Tive pena e aí soube que precisava ter me controlado. Para um pequeno teste tinha sido uma reprovação fácil. A sincronia do meu ato com o bloqueio do meu seguro ensinava-me que era preciso ser paciente, aceitar o que não poderia mudar e esperar, esperar e, quando estivesse cansada, ainda assim, esperar. Fechei os olhos e concentrei-me na minha respiração, acalmei a mente e controlei a ansiedade com a constatação de que eu estava de férias, poderia ficar ali o tempo que fosse. Foi, então, que me lembrei de um trecho do Hino ao Sol, do Akenaton. Recitei-o mentalmente muitas vezes, enquanto visualizava um sol no meu peito. Não sei quanto tempo de relógio isso durou, mas o fato é que a sensação física de calor naquela tarde de inverno fez-me abrir os olhos e perceber que um raio de sol infiltrado por entre as nuvens, atingia-me em cheio pelo vidro da janela alta. Foram apenas alguns minutos e as nuvens novamente o encobriram. Sim, o sol estava ali, eu só precisava me lembrar. Perdão, perdão, eu só conseguia pedir perdão. Fui chamada algum tempo depois, não sabia mais medir, mas tudo me pareceu eficiente e rápido.