domingo, junho 29, 2008

Sinceros Demais

Passei da idade de ter amigos sinceros.
Quero ter amigos fofos. Pessoas que me amem de forma simples.
Quando quiser sinceridade, pago um terapeuta.


(algo mais ou menos assim, que li por aqui)

sexta-feira, junho 27, 2008

Realidade

Você viu que horror a história do pai que esfaqueou o filho pequeno?
-As crianças andam muito chatas.
***
Por que você acha que prefere contos às dissertações?
-Estou farta de realidade.
***
-Quem é você, afinal?
-Eu sou este momento.

sábado, junho 07, 2008

Eternidade

Ver o mundo num grão de areia,
Um céu numa flor silvestre,
Ter o infinito na palma da sua mão
E a eternidade numa hora.
(William Blake)

Era sábado na hora sagrada da manhã de sol. Liguei para um amigo que estranhou logo o pedido: preciso vê-lo agora. Mas, aconteceu alguma coisa? Não, nada. Mas, mas. Tem que ser agora. E daí a alguns minutos, eu corria pela rua para dar-lhe um presente de alma: o livro. Um que fala da beleza em todas as coisas, das nossas motivações mais profundas, da beleza da dor, da solidão e dos riscos de seguirmos nossos próprios caminhos. Fala da eternidade na hora pequena em que a manhã de sol nos inspira e nos faz sentir. O livro me recolocou naquela manhã solitária em que eu aguardava os alunos do curso. Eu o vi por acaso e o li por motivo nenhum, numa dessas horas inúteis em que tudo acontece. Ele me fez rever motivações íntimas, e, por alguns instantes, naquele espaço de frios rituais acadêmicos, lembrei-me de quem eu era. Eu precisava compartilhar. Ele não compreendeu, mas aceitou o livro e foi embora. Eu voltei para a sala com a sensação de dever cumprido. Falei com alunos e professores em outros tons, reencontrei uma velha amiga no pátio e choramos juntas por motivo algum. E era sábado. Em uma intensa manhã de sol morno.

domingo, junho 01, 2008

Mosaico

Há pouco descobri-me um mosaico de contradições.
Quero ouvir outros sons que não os da minha dor híbrida.
Os da minha ansiedade mundana ou da minha solidão sagrada.

Irrito-me com a TV da sala
e a velha música barroca não abafa os meus gritos.
Tem alguém aí? Alguém menos surdo, cego e incapaz?
Alguém menos limitado e com esperança? Não há resposta.

Concentro-me no diálogo do cello com o violino e eles choram.
Aumento o volume. Quero ouvir meus próprios sons.
As horas não passam, os dias não passam, a vida parece eterna
e é tudo tão lento, frágil e inútil. Escrevo até cansar os dedos,
embotar a mente, até que o cansaço me cale a voz, o corpo,
o medo de encarar a noite e os sons deste silêncio surdo.

E eu que pensei que não havia enredo nesta trama,
fio condutor nestes fragmentos, estilhaços de um mosaico
em que revejo-me inteira, inacabada, estranha e exausta.

Preciso acompanhar as variações do violino.Elas haverão de levar-me
a um lugar de sentido.Os sons inundam a sala. Imagino espaços,
visualizo pessoas, mas o allegro se transforma em adágio
e novamente me disperso, ouço os sons do teclado,
os chiados abafados da TV vindos da sala. O oboé me resgata.

Deixo-me levar por um cravo que recomeça.
Um violino costura tudo e parece contar uma história.