quarta-feira, janeiro 26, 2005

Vontade de Potência

Da leitura de Antonin Artaud :

Uma obra de arte só é viva na medida em que comunica algo além de sua aparência. Uma sombra, que a duplica, ou seja, quando o artista é capaz de inscrever naquilo que ele molda o sopro de vida que o inspirou, como Deus que moldou o homem com o barro da terra e depois insuflou-lhe o sopro vital. O sopro é esse exercício de força criadora, a vontade de potência, que apreende aquilo que, do interior, se inscreve e se manifesta na exterioridade. Uma representação habitada por marcas de uma história, escrita com a própria carne. Quando deparamos com alguma obra de arte que carrega em si essa potência, ela nos atinge, nos perturba, nos encanta, nos transfigura. Não saímos dali como entramos, algo foi acrescentado. É o tempo privilegiado em que não apenas nos sentimos existir, mas onde passamos por uma experiência de recuperação material do ato de existir.

E, deste xeque mate:

“se falta enxofre à nossa vida, quer dizer, se falta uma magia constante, é porque nos apraz contemplar os nossos atos e nos perdemos em considerações sobre as formas sonhadas de nossos atos, ao invés de sermos impulsionados por eles, ou seja, falta à nossa vida força, energia, vibração, intensidade e estamos mergulhados no marasmo”.

Concluo:

Desse mal nunca serei acusada. Vivo externamente minhas interioridades.
Casados? Cada um na sua cama.

Estive conversando com minha psicóloga, conhecida empresária e vendedora de caldo de cana, a Dona Lurdes, sobre relacionamentos. (sem contar a Clarice, manicure, ela é a pessoa mais sábia que conheço). Dona Lurdes pensa que num casamento maduro, os envolvidos devem dormir em camas e cômodos separados. É muito melhor, afirma convicta. Quando se quer algo mais, é só bater na porta do quarto e perguntar sem rodeios: vai aí, um carinhozinho extra? Quando um não quer, dois não brigam, ela reafirma, não adianta insistir. Argumento que, neste caso, então, não seria interessante fazer o outro mudar de opinião? Ela até considera. Mas diz que dividindo a mesma cama fica mais difícil dizer um não educado quando se quer dormir sem enfrentar a terceira jornada de trabalho do dia: sexo conjugal. Ela também acha que sexo, depois de muitos anos compartilhados, é melhor que seja realizado de forma não programada. Depois do café da manhã, no meio da tarde, entre um freguês e outro (aquele último caldo que tomei, deus do céu). Filha, entenda o seguinte, quando a gente fica mais velho, quer mesmo é dormir à vontade, sem incomodar e nem ser incomodado. Mas, Dona Lurdes, a Sra, já dormiu de colherzinha? Parece tão romântico. Já dormi até de cuia, minha filha. Homem por trás, com aquele braço pesado em cima da gente, roncando na sua nuca? Unhum. Um pesadelo. Vai por mim, filha, homem bom é aquele que te aparece de manhã, de banhozinho tomado e que não te enche a paciência de noite quando você não está com vontade. Você vai querer ficar com ele o resto da vida, pode ter certeza.
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Dona Lurdes parece pouco apaixonada. Será?

terça-feira, janeiro 25, 2005

"Não importa o que acontece com você, mas sim como reage ao que lhe acontece".

domingo, janeiro 23, 2005

O Amor, A Morte, As Paixões
Reencarnação


Assisti com Maria Clara o filme Reencarnação (Birth, 2004). Ela conversa o tempo todo, faz perguntas, e ainda me ridiculariza quando eu a mando calar-se. Shhhhhhh.....ela me devolve o pedido de silêncio quando, momentos depois, ofereço-lhe um Trident. Não parece corar nas cenas de sexo que Nicole Kidman protagoniza com o noivo no filme, nem mesmo diante da tão polêmica cena em que o menino de dez anos compartilha a banheira com a atriz. Fica indignada com o microfone aparecendo no topo da tela. “Erro tosco”, conclui. Comenta com a amiga ao lado que a musiquinha do suspense é irritante e que o ator criança (o mesmo dos filmes O Enviado e Efeito Borboleta) é ótimo. Ao final do filme, vira-se para mim e diz: é claro, a Anna (Nicole Kidman) pediu aos amigos para afastar o menino, pois não conseguiria fazer isso. Portanto, a amiga estava mentindo quando convenceu o garoto que ele não era a reencarnação do marido de Anna. Foi isso. Fico surpresa com a conclusão (perfeitamente possível) que mantém a ambigüidade do filme (como ela consegue pensar, mantendo-se inquieta o tempo todo?). Já na praça de alimentação, contando os sushis que posso comer (pois havíamos dividido a porção) ela explica à amiga sua teoria sobre a reencarnação: bem, acho que seria injusto ter uma só vida, mas isso, Marcela, não é uma coisa para se pensar, não. Falar nisso é perder tempo...e Mãe, não pense que eu estou distraída, não, você comeu um sushi a mais....
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Ir ao cinema com Maria Clara é, no mínimo, interessante.
O Amor, a Morte, as Paixões
Jornada da Alma

Vimos três filmes da IV Mostra de Cinema do Lumiére. O primeiro deles ainda ecoa em mim: Jornada da Alma (Prendimi L´anima, Roberto Faenza, 2002), o belo filme que mostra o amor entre Jung e sua paciente Sabina. Jung ainda é o jovem discípulo de Freud, mas já se pode ver nele os elementos que o fariam único. A utilização das primeiras técnicas da psicanálise, insights sobre o poder dos sonhos e seus arquétipos, os traços de sincronia favorecidos pelo poder psíquico. O filme contém referências históricas importantes, e tem uma bela trilha sonora (ainda posso ouvir a folclórica Tumbalalaika tocada no piano de Sabina). O ator que interpreta Jung (Iain Glen) é maravilhoso (exatamente como imagino que ele foi: sensível, reflexivo). Tudo isso é possível ver no filme. Todavia, para mim, o mais belo, talvez tenha sido mesmo, a quebra da ética médico-paciente, com o envolvimento de Jung com Sabina, sua anima. Eles sofrem muito por isso, mas é deste contato, pelo amor, que Sabina fica curada e torna-se uma psicanalista de vanguarda (iniciativa abortada pela repressão stalinista). Fiquei questionando, ainda, se é possível produzir algo importante, sem quebrar rígidos códigos de conduta, envolver-se até a alma, abrir-se para os ventos mobilizadores do amor, os que alteram o estado de todas as coisas. Jung não teria sido o que foi sem esta permissão. Isto é certo.
P.S: Quando você não consegue olhar dentro da alma de alguém, tente ir embora e voltar mais tarde. (Boris Pasternak, citado no filme)

quinta-feira, janeiro 13, 2005

A Resistência dos Inocentes

Nada como ter olhos de criança. E Valentin é uma criança de nove anos. Mora com a Avó, uma argentina que reclama de tudo, mas cuida bem dele. Sob o contexto da ditadura militar na década de 60, vive num bairro pobre de Buenos Aires. Não sabia do paradeiro da mãe e o pai era ausente. Valentin queria uma família. Uma mãe loira que o buscasse no colégio. Mas isso não o transformava numa criança triste. Assistir ao filme de Alejandro Agresti provocou-me muitas reflexões e acordou alguns sentimentos. Os que se referem à fragilidade da vida, à ternura que está nas pequenas coisas (sem as quais, dificilmente construiríamos algo), ao enfrentamento da solidão, à dor do sonho, à disposição da fé no impossível. Contentar-se com o que nos é dado, mesmo que nos pareça pouco. Valentin divertia-se com os instrumentos que inventava e os treinamentos que o levariam a ser um astronauta da Nasa. Importante imaginar, especialmente o que não se pode viver, não é mesmo? Valentin sabia disso, quando construiu uma roupa espacial, colocou pesos nos sapatos para acostumar-se à falta de gravidade que enfrentaria no espaço. Estabelecer relações sem idéias pré-concebidas. Valentin tem forte laço de amizade com o músico vizinho. Um homem incomum, um judeu solitário. Ser flexível, mudar de planos quando necessário, superar obstáculos sem grandes traumas. Passar pelas dificuldades como quem resolve rápido uma conta de matemática do dever diário e corre para a janela, o brinquedo que constrói significados para o mundo. Acreditar, sempre. O filme de Agresti é uma prova lírica e adorável de que não é preciso um grande ou dramático evento para se apresentar uma história. Basta que se saiba contá-la.
Melancolia


O melancólico lança um certo olhar sobre o mundo. Vê por baixo e pelo avesso o que está escondido. Percebe o desencanto por trás da piada e da ironia, o choro que produz o riso. Há, sim, no melancólico, certa familiaridade com o absurdo, pois não há melancolia expressa sem auto-referência, um certo senso de cumplicidade com a dor e com o sofrimento. Nisto está sua fragilidade e sua força. O olhar melancólico implica alguma conformação com o estado das coisas, mas permite o pulsar da vida. E é na expressão de sua tristeza que encontra alívio, beleza e redenção.



Desabafos? Só com desconhecidos.

É inegável que falar de nossas ansiedades e problemas, quase sempre faz bem. Especialmente quando a respiração está difícil e parece haver um boi entre a garganta e o estômago dificultando a passagem do ar, da comida, da vida que anima o corpo. Mas, é indiscutível que é problemático falar com pessoas conhecidas. O envolvimento emocional é desagradável, prejudicial ao outro e, por reflexo, a nós mesmos. Melhor mesmo é falar com desconhecidos. Motoristas de táxi, jornaleiros, o seu Zé da padaria.
Hoje tive um dia difícil. Além do normal. No final da manhã, ainda descubro que por uma fraude, fizeram um débito indevido em minha conta corrente. Quanto trabalho e chateação. Sem almoço por esperar o gerente de banco (que, se minha praga pegar, deve ir – com todos os outros - para o meio do inferno, desculpem), fui tomar um caldo de cana na lanchonete mais próxima ao Banco (por que escrevo esta merda com letra maiúscula?).
O Quiosque Tropicana da Dona Lourdes. Conversamos muito. Contei-lhe tudo que estava acontecendo naquele momento e mais outras coisas que não diria a ninguém (ninguém mesmo). Pude chorar à vontade sabendo que ficaria ali, entre nós duas, e que eu não a prejudicaria por isso. No final, ela nem cobrou o caldo, desejou-me, sinceramente muito boa sorte, que eu fosse com Deus. Revigorada pela cana de açúcar e de fígado desobstruído, fui lá enfrentar o tal gerente, que, é claro, ressarciu-me de todo prejuízo depois de algum enfrentamento. Ufa. Estou cansada. Mas amanhã estarei novamente pronta, para o que vier.

domingo, janeiro 09, 2005

Há que se viver...

Entendo que minha grande motivação como professora, é aprender e ensinar. Sim, adquirir novos conhecimentos é sempre muito estimulante na medida em que podemos transmití-los. Dá uma sensação de dever cumprido, de utilidade na vida. E não há dinheiro no mundo que pague esta satisfação. Lembro-me sempre dos meus pequenos alunos, as crianças do ensino fundamental. Quando tentava explicar-lhes coisas complicadas, traduzir a linguagem, diversificá –la (sim, porque nem todo mundo entende a partir da palavra falada). Foi um exercício muito importante. Ficava olhando bem nos seus olhinhos, no brilho que expressavam quando uma determinada explicação os tocava. Isto é verdadeiramente motivador. Há uma energia de retroalimentação em todo momento de aprendizagem. É revigorante, compensador interiormente. De fato, um processo divino. Mas não é isso que gostaria de dizer. Escrevo aqui, hoje, para enfatizar outra coisa. Gostaria de dizer que as coisas mais importantes, as mais significativas de uma vida, essas, essas não podem ser ensinadas. Há que se vivê-las. Assim, todas as coisas que tenho vivido e aprendido, estas, provavelmente tentarei dizer a alguém (minha filha, talvez). Mas sei que não serei compreendida.

sábado, janeiro 08, 2005

Senhor, dai-me um coração resoluto*
Minha mãe sempre reclamou que era desestimulante oferecer-me presentes na infância. Diante da bicicleta, sorria. Da boneca quase do meu tamanho, agradecia. Ela me perguntava muitas vezes se eu havia gostado e parecia não acreditar quando eu dizia sim, sim, está bem, gostei, está ótimo, não precisava. Não sei porque cargas d’água eu era fiel a uma lógica interna, a que me acompanha desde criança: manter-se serena, no coração e na mente, diante do infortúnio e da felicidade. Mas, hoje, hoje está difícil controlar minha alegria: minha filha chega de viagem. Permitam-me.

*Frase de uma oração que recitava todas as noites.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Chuva

Chove lá fora de forma intermitente.
Aqui dentro, lavo a poeira do chão que piso descalça.
Nem feliz, nem triste. Com a alma limpa, tudo respira.
(Em minhas costas sopra uma brisa fresca)
...
Recolho-me em silêncio. Sem expectativas.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Ansiedade

Desliza o mouse. Lê pequenos textos sem prestar muita atenção neles. Numa sucessão descontrolada de cliques, visita sites, blogs, flogs. Entra e sai mais de uma vez buscando atualizações, velhos e novos interesses. Vê jornais, seleciona imagens, procura algo que possa prender sua atenção. Satisfação temporária. Segundos. Com muita sorte, alguns minutos. O google, sim o google. Faz perguntas pessoais ao buscador e não obtém respostas diretas. Reavalia objetivos. Desliza o mouse. Lê rapidamente. Recomeça. Percebe que já é noite. Sim, menos um dia, menos um dia, pensa. Desliga o micro e vai dormir.

domingo, janeiro 02, 2005

Reveillon

Fechou o Word com a conversa gravada pelo MSN. Uma conversa difícil. Parecia sentir o peso das palavras, a respiração ofegante. A indisposição das perguntas para as quais não tinha resposta, o embotamento mental diante das pressões de tão lógicos argumentos. Refletia sobre as acusações e via certa razão nelas. Mas, de maneira geral, considerava sua própria coerência. Com algum orgulho delas. Sim, isso era indiscutível. Tinha sido sincera. No que era possível. Leu tudo mais de uma vez, convencendo-se de que tinha sido melhor assim. Procurava afastar a saudade, a vontade de dizer alô, estou aqui. Ainda. Não. Era arriscado. Soube que tinha um novo amor, ou um antigo renovado, sabia-se lá. Melhor assim. Melhor assim, repetia-se. Estava muito frágil para se ferir. Mas os fogos do reveillon insistiam em refletir-se na tela do micro, lembrando do ano passado juntos. Um olhar terno. Um corpo cálido. Projetos rascunhados com recomendações de sonharem acordados, sem medo.