quinta-feira, julho 23, 2009

Sobre a Tirania



Um amigo disse-me outro dia que gosto de mandar. Outro, que sou uma “doce tirana”. Imaginando que, ao contrário, sempre preferi a autogestão anarquista aos regimes ditatoriais, estive às voltas com pensamentos a respeito da “tirania”. “Tirania”, parece-me óbvio, no sentido mais caricatural do conceito, no mais exagerado, só para enfatizar a idéia (pois, afinal, caricaturas podem servir como acentos elucidativos de princípios polêmicos). Refleti, então, talvez para o meu próprio consolo e frente ao meu preconceito iluminista à noção de autoridade, que a tirania, sem aspas mesmo, envolve certa dose de doação, alguma generosidade e muito compromisso e disposição. Alguém já assistiu individualistas autocentrados e egoístas à frente de algum projeto coletivo? Assumindo riscos, administrando contradições de relacionamentos e colocando a própria cabeça a prêmio? (No meu caso profissional, observo muitos carreiristas de carteirinha, os-que-só-pensam-em-si-próprios-e-o-resto-que-se-dane que nunca assumem nada). Fiquei pensando, também, que a gestão tirânica é sempre livre (e talvez seja essa a motivação essencial). A liberdade de escolher os grãos, o terreno, a cor das flores que vão nascer. Não há como planejar um campo sem envolver a alma nas sementes potenciais, sem assumir escolhas e entregar-se. A tirania envolve, dessa forma, liberdade, exposição e perigo. Por outro lado, paradoxalmente, não há como exercer a tirania, sem aceitar a imprevisibilidade: pode chover pouco naquele ano, os ventos não serem favoráveis. Em resumo, o plano pode não vingar. Daí que a tirania não pode ser efetivamente exercida sem alguma dose de flexibilidade e maturidade interior para o fracasso e a frustração. Vaidades em excesso, soberba em altas doses só cabem naqueles que usufruem de esquemas prontos. E campos em flor são terrenos férteis de atração para os que não contribuíram, mas desejam usufruir, os conhecidos oportunistas de plantão. Os que não perderão a chance de criticar os projetos para os quais não contribuíram e julgam ter o direito natural de uso dos benefícios. Assim é que o tirano está sempre acompanhado, mas, no fundo, sempre só. Solitário na reavaliação contínua do plano, do panorama idealizado, no esforço para ajustar as flutuações sem perder a motivação essencial do projeto. E é claro que há resultados desvirtuados, manipulados, distorcidos. Há também tempos em que os objetivos são plenamente alcançados e chega a hora de bater em retirada para manter o impulso criativo e a liberdade. Talvez certos “tiranos” sejam, no fundo, incorrigíveis sonhadores e peregrinos.