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Agora mesmo algum maluco
deve estar postando qualquer treco genial na internet, alguém deve estar pensando em como melhorar aquele texto enquanto lota o Especial de vinagrete, perseguindo obstinadamente um acorde voltando da padaria.
Agora mesmo alguém
pode estar pensando que guardamos só pra gente o lado ruim das coisas lindas – assim, trancafiado a sete chaves de carinho – Alguém pode estar sentindo tudo ao mesmo tempo sozinho, assim brutalmente sentimental, feito coubesse toda a dignidade humana num abraço tímido.
Agora mesmo alguém deve estar limpando
cuidadosamente o CD com a camisa, pulando a ponta do pão pullman, sentindo o baque da privada gelada, perguntando quanto está o metro daquela corda de nylon, trepando no carro, empurrando o filho no balanço com uma das mãos e na outra equilibrando a lata e o cigarro – Agora mesmo alguém deve estar voltando, alguém deve estar indo, alguém deve estar gritando feito um louco para um outro alguém que nem deve estar ouvindo.
Agora mesmo alguém
pode estar encontrando sem querer o que há muito já nem era procurado, alguém, no quinto sono, deve estar virando para o outro lado; alguém, agora mesmo, no café da manhã deve estar pensando em outras coisas enquanto a vista displicentemente lê os ingredientes do Toddy.
(Marcelo Montenegro. Garagem Lírica. Annablume Editora)
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terça-feira, dezembro 25, 2012
Gerúndio Jazz
sexta-feira, dezembro 14, 2012
Anônimo Vermeer

Contemplando a rua pela janela,
eu era uma melancólica mulher de Dali. Mas você me trazia tangerinas maduras e
algo se acendia. Uma luz oblíqua e suave penetrava na sala e cantos escuros se
iluminavam em tons flamengos. Perguntei-lhe, agradecida, se não iria me dar um
beijo. Sem visualizar seu rosto, tudo era carinho e dádiva quando se despediu.
quarta-feira, novembro 14, 2012
Passagens
sábado, novembro 10, 2012
segunda-feira, outubro 08, 2012
O Nascimento
terça-feira, outubro 02, 2012
domingo, setembro 16, 2012
Pantocrator
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Cristo Pantocrator com duas faces, a divina e a humana. Monastério de Sta Catarina, Monte Sinai. |
É sempre impactante encontrá-lo
nas primeiras horas da manhã. Com o seus cabelos longos, o jovem caminha por
entre os carros e lança um olhar inquiridor que atravessa o vidro e a
indiferença dos que aguardam na fila pelo sinal verde. Sua expressão é daqueles
que já não fazem mais parte desse mundo, a mesma que vemos nos que estão na
antesala da morte, para além da vida. Sobre um de seus ombros pende um cobertor
surrado que ele ajeitou à moda das vestimentas antigas: um manto que cobre
parte de suas roupas rasgadas e que ele segura com uma das mãos como se fosse
um senador romano. A
outra ele movimenta como um mudra que perfaz o gesto da bênção dos ícones
antigos: seus dedos ora se unem na indicação trinitária que abençoa e
materializa os mistérios do céu e da terra, ora se espalmam no gesto da súplica
pela esmola. Seu olhar não implora, mas solicita com legítima autoridade e nos
culpabiliza pelo que nem sabemos nominar. Algo entre a omissão social e a
podridão egoísta de nossa natureza humana e bestial. Nosso Pantocrator diário
tem a resistência do ícone que personifica: já o vimos em outras esquinas, com
as mesmas mãos sobre a boca, segurando um plástico com algo que ele aspira com
sofreguidão. Já o surpreendemos em uma corrida, de banho tomado, atravessando
as ruas como um atleta que se prepara para um festival olímpico. Mas ele sempre
comparece no horário sagrado das manhãs. E embora mantenhamos a distância por
entre o vidro fechado do carro, ele nos acompanha e continua conosco pelo resto
do dia.
sexta-feira, setembro 07, 2012
domingo, julho 01, 2012
Um dia virá
E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente, seguramente, inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento. Eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro. Não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante; sempre fundido, porque então viverei, só então serei maior que na infância, serei brutal e mal feita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas. Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a compreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá o meu caminho até a morte sem medo de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo.
LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem.
terça-feira, maio 08, 2012
segunda-feira, abril 30, 2012
Miragem
segunda-feira, janeiro 16, 2012
Da ausência
NO QUINTAL DA LUA
Maria Luisa Ribeiro
E impõe se a dor
Maria Luisa Ribeiro
E impõe se a dor
com suas pegadas de chumbo
seus resquícios de gorjeios
e um calhamaço de silêncio
que machuca além da conta.
Estúpida,
com seu chapéu de violetas densas
e um cravo de chorar no vão do peito,
ela vai dançando o canto gregoriano
em um espaço oco
que aprendemos a chamar de saudade
E quando tudo se cala
apenas o pio de um pássaro ancorado em um graveto seco
seus resquícios de gorjeios
e um calhamaço de silêncio
que machuca além da conta.
Estúpida,
com seu chapéu de violetas densas
e um cravo de chorar no vão do peito,
ela vai dançando o canto gregoriano
em um espaço oco
que aprendemos a chamar de saudade
E quando tudo se cala
apenas o pio de um pássaro ancorado em um graveto seco
e um pingo de chuva estatelado na vidraça
de uma cobertura no aeroporto da cidade.
Calou-se o brado de Espanha...
e cá do meu batente de anjo caído e torto
eu olho pra cima e te contemplo.
Sóbria , sem desespero e sem dores miúdas
um pássaro... um pio... e... junto –me a ti
num canto de Bocelli no quintal da lua.
de uma cobertura no aeroporto da cidade.
Calou-se o brado de Espanha...
e cá do meu batente de anjo caído e torto
eu olho pra cima e te contemplo.
Sóbria , sem desespero e sem dores miúdas
um pássaro... um pio... e... junto –me a ti
num canto de Bocelli no quintal da lua.
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Presente de minha amiga escritora Maria Luisa Ribeiro, por ocasião da morte de meu pai, há doze dias.
Fica aqui minha gratidão a ela e a homenagem a ele, afinal. Por enquanto, não tenho mais palavras.
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