sábado, janeiro 28, 2006

Pois, é.

Eu tinha dezoito anos e fazia faculdade de história. Ele, vinte. Seria arquiteto. Éramos puros e acreditávamos no amor romântico.

Eu poderia começar assim, este post. Mas, vou trilhar outro caminho.

Ontem, amanheci aborrecida, preocupada. Coloquei uma roupa amarela, que me deixou com tonalidade hepática na pele, mas que me lembrava o sol, que tanto amo e necessito. Pela pressa e pelo estado de espírito, acho que mal usei um batom (mulheres entenderão o sentido deste detalhe no decorrer da leitura do texto). Prendi o cabelo num rabo de cavalo despreocupado (meu pouco cabelo não gosta de mim), saí de casa e fui para o trabalho (aquele, dos meus problemas todos e desafios diários). Passei, antes, na faculdade para organizar uns papéis (reinício do semestre na semana que vem) e cheguei ao meu destino final um pouco tarde. Sentei-me na mesa, liguei o micro e permaneci arrumando coisas, como é de costume (a luz do meu escritório é a única que se mantém acesa, por contenção de gastos e pela minha solidão). De repente, vi um vulto que se aproximava. Não o haviam anunciado. Quem seria? Não era um credor, mas ele. O arquiteto, aquele, dos vinte anos. Levantei-me surpresa e ouvi, num abraço afetuoso: tentei ligar para você, mas o telefone não era mais o mesmo, então, resolvi visitar-lhe, pessoalmente. Parabéns pelo aniversário. Fiquei sem palavras (quase disse “beijos para todos”, mas a frase era inadequada para a ocasião). Ele se sentou e conversamos por mais ou menos uma hora. Pareceu-me o mesmo: a mesma tenacidade, a mesma gentileza à toda prova, os mesmos cabelos, agora nos ombros. Contei-lhe que, no ano passado, depois de uma conversa fortuita por telefone, escrevi um texto, inspirado nele, que se intitulava Diálogo Para um Amor Perdido. Ele, então, argumentou: Então, é assim que você percebe? Como um amor perdido? Eu considero um amor eterno.
Pois, é (outra expressão eloqüente para dizer o indizível).
Pois, é.
Em homenagem a ele, vou republicar o texto. E, antes, que me perguntem, ele é casado, sim, e o amor está mais do que guardado, sublimado. Sem esperanças cor-de-rosa, portanto.

Diálogo para um amor perdido

Para L.R.J.
Vazio no estômago, respiração curta. Os dedos gelados discam um número de celular. Está chamando. Demora a atender. Pensa em desligar, mas antes que recoloque o telefone no gancho, uma voz grave, diferente, quase ríspida e sem emoção atende do outro lado da linha. “Alô!” Será ele? E se não for, o que dirá? Desliga? Reflete por um segundo antes de responder hesitante: Gostaria de falar com Diego Lima. A voz sai trêmula e insegura. “É ele”. É ele? Repete de forma incrédula e idiota. “É sim”. Ele confirma num tom inquiridor. Aqui é Marta Flores. “Marta?” Ele quase a interrompe num ato estremecido, de outro tom. “Que surpresa”! Completa. Numa emoção cheia de expectativas, Marta continua: Você pode falar agora? “Estou no trânsito”, Diego responde, “mas chegarei ao meu destino daqui a dez minutos. Posso te ligar de volta nesse número?” Marta desmorona. Ele não quer falar, pensa. Não deveria ter ligado. Se ele fosse objetivo não saberia o que dizer depois de tantos anos. Não é necessário, conclui . Ligo numa outra ocasião, completa Marta com voz firme, desistindo. Todavia, Diego insiste: “Não, por favor! Então ligue para mim daqui a dez minutos, ok?” Está certo, responde Marta, sabendo que não cumpriria a promessa. Não deveria ter ligado, martiriza-se. Quantos anos a separavam dele? Quinze, vinte? Tinha saudades sem dor. Saudades de sua inocência e do amor imenso que sentia. Um amor incondicional, fiel, silencioso, generoso e tímido. E era um amor correspondido. Alimentado por cartas, desenhos e retratos que ele elaborava com arte, bilhetes apaixonados escritos em guardanapos de papel. O tempo corria. 5 minutos. Por que mesmo haviam chegado ao fim? Não conseguia se lembrar. Foi um final distraído. Um “até mais” com um beijo apaixonado no alto de uma escada rolante de um shopping recém inaugurado, recorda-se, em fragmentos. Havia ligado por saudades. Viu sua foto num jornal com divulgação de seus trabalhos artísticos. A mesma tez indiana e os mesmos olhos negros. Os olhos ternos que tanto amou. 12 minutos. Pegou no telefone e o colocou distante. Melhor assim, decidiu. Entretanto, antes que deixasse a sala, o aparelho toca alto. Atende, num sobressalto. “Marta, sou eu, Diego. Você não ligou, resolvi arriscar o número.” Marta enterneceu-se...
Conversaram longamente. Falaram de amenidades, coisas de trabalho, sobre os rumos que a vida de cada um tinha tomado... num diálogo cordial, discreto, tentando disfarçar a emoção. Ao final, nas despedidas, falaram da saudade. Num ato de coragem, como se fosse o último diálogo que teriam em vida, Marta ousa revelar: Eu o amarei pelo resto dos meus dias... “Eu também”, Diego afirma, correspondendo, como fazia sempre. “Independente de qualquer coisa, eu sempre vou amar você”, diz, emocionado. Até um dia, “até um dia”. Desligam.

Nenhum comentário: