sexta-feira, março 11, 2005

Mar Adentro

A morte não é terrível. Passa-se ao sono e o mundo desaparece – se tudo correr bem. Terrível pode ser a dor dos moribundos, terrível também a perda sofrida pelos vivos quando morre uma pessoa amada. Não há cura conhecida (...). O que as pessoas podem fazer para assegurar umas às outras maneiras fáceis e pacíficas de morrer ainda está por ser descoberto. (Norbert Elias. A Solidão dos Moribundos)

Estávamos na livraria do shopping antes do início do filme, quando recebi um telefonema. Era um amigo avisando-me da morte de uma colega de faculdade. Aconteceu no domingo passado e nem fiquei sabendo. Soube que lutava contra o câncer já há algum tempo, mas que estava bem, confiante que seria curada (era muito religiosa). Entrei no cinema com o coração dilacerado. A velha ferida do peito sangrando todas as dores. Mar adentro. No filme, Ramón Sampedro luta para morrer e minha amiga fazia exatamente o contrário. Nas últimas semanas chorava muito e dizia que queria viver. Queria estar ao lado dos dois filhos pequenos. Ela não tinha quarenta anos. Disseram-me que suplicou até o último instante. A despeito deste contraste, saí do filme com a sensação de que todos tinham razão: os que lutavam pela liberdade individual frente ao poder de um estado laico, os que imbuídos de sua ética existencialista queriam deliberar sobre o seu próprio direito de viver ou morrer, os que defendiam a vida a qualquer custo (mesmo que em migalhas, a vida que vale por um instante de beleza e sentido). O filme é belo e muito tocante, do início ao fim. Saí com os olhos vermelhos da sala. Algumas identificações foram imediatas: a vontade de morrer diante de algumas prisões cotidianas, a necessidade de aprender a chorar sorrindo quando a vida não nos dá outras opções e, afinal, a certeza que por pior que sejam nossas correntes (voluntárias ou impostas), nosso espírito é livre. O que alivia um pouco a dor e a aceitação sobre tudo que não podemos mudar.

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