sábado, dezembro 04, 2004

Nix e a noite adolescente

“No começo era o Caos. Não havia luz e também as trevas não existiam. A noite (Nix) é gerada do Caos e dela nascem o sono(Hypnos), o senhor da morte(Tânathos) e as deusas do destino (moiras)”....
(Hesíodo. Teogonia.)

Marco é um aluno incomum. Veste-se sempre de negro. O cabelo, no mais belo estilo punk crista de galo. Um piercing no canto esquerdo do lábio. Sim, chama a atenção. Todavia, está sempre em silêncio. É discreto e possui aquele olhar inquiridor, profundo. No início das aulas estava sempre solitário. Sugiro-lhes grupos de vivência alegórica de um mito e ele me apresenta a escolha do grupo em que faz parte: o mito de Nix. Fico surpresa com a opção, mas concordo. Recebo dele, seu primeiro exercício autobiográfico e ele escreve que não consegue se lembrar da primeira infância. Destaca a adolescência, o contato com amigos que estavam fora dos “problemas mundanos”. Diz, então, “fiquei cego e aproveitei tudo que nos importava”. Marco presta muita atenção nas aulas, olha sempre atento para as imagens míticas que apresento, mantém um vivo interesse pelas histórias. Num outro dia, apresenta-me o roteiro, pronto e muito bem escrito: contava a história de um adolescente, suas dificuldades de comunicação e relacionamento com o pai. Em suas reflexões noturnas encontra Nix e dialoga com ela. É influenciado por Nêmesis, pelas Moiras e por Tânathos, o deus da morte. No final, mata o pai, a mãe e se suicida.
Tento disfarçar o meu choque com o desfecho e pergunto se não ficaria muito trágico, escuro. Ele argumenta que não. Essa era mesmo sua intenção: causar desconforto. Era contra um final suave, pois não queria consolo. E não seria a morte o maior consolo? Pergunto. A dificuldade não estaria em manter-se vivo? Marco não responde. Ignora até mesmo a oposição de alguns colegas que achavam que os conflitos adolescentes com o pai não se constituiriam em motivos suficientes para a tragédia. No dia da apresentação encontro a sala de aula muito bem decorada: uma lona negra divide os espaços entre cozinha e quarto. Na cozinha, uma toalha sobre uma mesa arrumada para o café da manhã. É nesse local que ocorrem as maiores discussões com o pai e o adolescente sob os olhares submissos da mãe preocupada em servi-los e amenizar os conflitos. Dois aspectos são muito marcantes: os gritos e a intransigência do pai e as figuras negras míticas que povoam o quarto do adolescente. Quando o jovem consuma o assassinato do pai, Nix e seus companheiros negros tomam o cenário principal. Sentam-se na mesa e o instigam. A seriedade dos alunos na representação calam os risos abafados. Procuro Marco e não o vejo. No final da apresentação, pergunto aos alunos onde estava o roteirista e eles me informam que estava com febre. Uma colega confidencia-me que no dia anterior havia discutido seriamente com o pai. Fico preocupada e vou para casa pensando nas ressonâncias do mito-guia escolhido pelo aluno. Reflito que a noite, Nix, é fruto da necessidade do Grande Espírito de projetar-se e conhecer sua própria existência. Tensionadas em si mesmas, as trevas do Caos e da Noite explodiram em luz. Na versão órfica, é deste esforço que nasceu Eros, o Amor, que ocupou o Nada e impregnou o universo despertando a semente da vida. O amor uniu a luz e as trevas e as duas metades converteram-se no céu (Urano) e na terra (Gaia). É da luta de Urano com o filho, Saturno, e dele com Zeus que o caos é ordenado e cria sentido. O Caos aqui é o inconsciente em potencial, a partir do qual tudo pode ganhar forma. A criação pode ser um ato caótico, que envolve conflitos, lutas entre o adulto (pai) e a criança (filho), entre o consciente o inconsciente. É uma luta dolorosa, em que a morte pode ser uma alternativa para a permanência da vida, em constante transformação. Marco escreve em seu relato autobiográfico: “Nos transformamos a cada olhar, leitura, interação com outro ser, mas mantemos nosso eu...dizer que estou pronto é precipitação, pois estou em processo de mutação sóbrio”. Sim, Marco estava se transformando. A catarse do teatro e a história mítica estimulavam sua autoconsciência e o auxiliavam a atravessar este momento de transição.

4 comentários:

Flávia disse...

Nossa! Entrei com o login errado quando fui deixar o comentário abaixo, hahahahahaha. Meu blog é este agora. E você sabe, porque não sou cretina como certas pessoas! ;)

Atena disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.....
Fiquei aqui pensando mesmo que não me lembrava de ter divulgado o endereço, ainda. Sim, querida, pois o blog ainda está em construção. Este sistema de comentários é terrível e não sei mudar e nem tive tempo de pedir ajuda. Logo que estivesse prontinho eu ia avisar, sim, juro de pé junto. Fale isso para a Renatinha...hahahahahahaha. Devo escrever algumas coisas agora, nas férias e vou colocar uns links como o seu, para não esquecer quando quiser visitar. Beijos com muitas saudades....

Flávia disse...

Tá bom, eu acredito no seu juramento de pé junto, tá? hahahahahahahaha Mando o projeto pra você ler ainda hoje. Aguarde!!

Beijão!

Anônimo disse...

Ahááá! Te achei hein, dona Atena? Adorei vc ter voltado a escrever :-)
Pelo que entendi vc quer um novo sistema de comentários, é isso? Só falar, a gente "providencia".
Beijos!