terça-feira, maio 24, 2011

Amores Captativos














O beijo de Judas (painel 31), Giotto, Capela Scrovegni, 1304-6

É impressionante como ao ler um mesmo texto, temos diferentes concepções de seu significado conforme o tempo em que o lemos. (Re)li, como se fosse a primeira vez, a análise do arquétipo de Judas no livro do Jean-Yves Leloup*. O autor discute nossas relações uns com os outros, em especial, quando estamos em idolatria, que é semelhante à paixão: quando pedimos o absoluto a um ser relativo. Quando este ser nos decepciona, entramos, naturalmente, no desespero. E ele segue com análises importantes. Conta-nos como Judas não consegue se colocar no meio na relação com o Mestre. Segundo o autor, precisamos aprender a tocar o outro no meio, entre sua dimensão humana e divina. Judas queria um líder político e não um homem que salvasse a poucos e se prestasse às calúnias e à morte. É por essa decepção que passa facilmente da idolatria ao desprezo. Ele esperava demais, com ilimitadas expectativas, e, paradoxalmente, com uma limitada visão das coisas. E é essa atitude que o faz vender e trair o Mestre. Depois do ato, Judas se enclausura na própria culpa e se envenena. Diferente de Pedro, que erra e se redime, pois é capaz da prática do perdão com o outro e, portanto, consigo próprio. Com a atitude típica de um suicida, Judas não crê no perdão e isso se volta contra ele. Ele era assim e por esse motivo, útil ao serviço da traição. Leloup nos lembra que a palavra doença, em hebraico, significa andar em círculos, estar preso em um círculo, estar fechado na conseqüência dos seus atos e do seu carma. Leloup nos recorda a incapacidade de perdoar, o excesso de expectativas e a avareza destes homens que, não souberam compreender Madalena, o arquétipo contrário a Judas. A que lavou os pés de Jesus com caros perfumes e foi por isso repreendida (seria mais útil “dar o dinheiro aos pobres”). Homens como Judas, que se prestaram ao serviço da traição, não souberam ver a generosidade de Madalena, a grandeza de seu abnegado gesto, que dava mais do que o que possuía, além de oferecer de si própria. Madalena é o arquétipo da generosidade e da entrega, incapaz de se realizar em homens presos nos sintomas de seu desespero, na ilusão e avareza das aparências, na idolatria que não concebe o respeito, o amor como algo que se coloca entre o humano e o divino. No arquétipo de Judas há alguma coisa deste estado de consciência que nos envenena, que envenena a existência. Como conclui o autor: em Madalena, vemos o arquétipo do amor oblativo e em Judas, o do amor captativo, tão bem expresso em Giotto na cena do beijo. Um gesto que tem a aparência de amor, mas é um gesto vazio.

Tai, agora entendi.

__________________

*Leloup, Jean-Yves. Caminhos de Realização. Dos Medos do Eu ao Mergulho no Ser. Ed. Vozes.

2 comentários:

Anna disse...

Que bonito, Heloisa.
Adoro quando você posta no blog sobre as idéias do Leloup! Sempre me deixa pensando nesses temas, tão úteis a uma existência mais harmoniosa.

Que você tenha uma ótima semana!

Beijos

Anna

Atena disse...

Anna, já assisti a um curso com ele. Foi muito interessante, ele é singular. E tem um livro autobiográfico que se chama Entre o Absurdo e a Graça, ou algo assim. Chorei horrores ao ler...rsrsrsr...
Beijos, linda!