
sexta-feira, novembro 26, 2010
Poema Sem Drama

sexta-feira, setembro 17, 2010
Primavera

Sandro Botticelli. Primavera. 1482, Têmpera sobre Madeira, 203 x
Obra de temática profana mitológica clássica, que com símbolos das divindades pagãs, apresenta-nos a chegada da estação que abre o círculo da vida e da sua renovação, ou seja, a primavera. Na concepção mitológica, Vênus, deusa do amor dos humanos e dos deuses, é a responsável pelo desejo da água, que tudo fecunda e renova. No quadro de Botticelli, Vênus aparece no centro da obra, mas não sendo a principal personagem da pintura. A deusa é representada de forma discreta, vestida. Vênus tem gestos nas mãos, e como uma madona parece abençoar o mundo. À sua cabeça, vemos Cupido, que com os olhos vendados, aponta a sua seta para a três Graças, que estão do lado esquerdo da deusa do amor. Quando descortinamos a obra a partir da figura de Aglaia , Tália e Eufrósine[1], as três Graças, Cárites ou Dons, é que começamos a encontrar sinais dos traços precisos da filosofia neoplatônica. As Graças surgem profanas, virginais, sensuais, trajando vestes transparentes, harmonizando a beleza das cores primaveris, pulsantes pela intervenção dos corpos humanos. Mais a esquerda do quadro está Mercúrio (Hermes), o mensageiro dos deuses, com suas sandálias aladas, trazendo uma túnica vermelha. Mercúrio dissipa as nuvens, rompe com o inverno, e traz o sol de primavera. Warburg associou esta pintura às festividades de maio na Corte dos Médici: o torneio de 1475, celebrado pelo poeta Poliziano, na qual se ilustrou Giuliano de Médici: a volta da paz, depois do fracasso da Conspiração dos Pazzi, que matou Giuliano e poupou Lourenço de Médici. Apesar disso, segundo o mitógrafo Jean Seznec,[2] há um ar longínquo, uma atmosfera quase irreal na obra: estamos num mundo que não parece ser o dos vivos e ali, os grandes enigmas da Natureza, da Morte e da Ressureição flutuam em volta das formas sonhadoras da Juventude, do Amor e da Beleza, fantasmas de um Olimpo ideal.
Quando voltamos para a direita de Vênus, vamos encontrar Flora, a deusa das florestas e das flores. Flora traja roupas floris, das roupas a deusa espalha as flores pelos campos. Flora é a única personagem da obra a olhar diretamente para o observador, como se fosse atirar as flores além daquela paisagem, atingindo todos os que contemplam a obra. À direita da obra surge Zéfiro, o vento do oeste. Zéfiro na mitologia é personificado como um vento agradável, uma brisa suave, é ele o mais suave de todos os ventos, o mensageiro da primavera. Zéfiro, retratado aqui como um ser esverdeado, enlaça a bela ninfa Clóris. Logo que Zéfiro a toca, flores perfumadas saem de sua boca e e ei-la transformada em Flora, a mensageira da renovação. Eu era Clóris e agora é que me chamam Flora, escreveu Ovídio
Warburg vai ampliar os estudos e acrescentar a eles uma tônica psicossocial, considerada fundamental para os atuais estudos da imagem. Ele fará o reconhecimento de elementos que sobrevivem no tempo, as formas que traduzem a força psíquica das imagens e que tem função psicossocial e de reter a memória coletiva: a pathosformel. Termo desenvolvido por ele, as formas do pathos (do gr. paixão), foram usadas para localizar as sobrevivências viscerais da índole pagã, em tensão com a moral e a ética cristã, conflito próprio do homem do Renascimento. O pathos antigo estava relacionado a sentimentos intensos e dionisíacos em confronto com a harmonia apolínea, o controle e a disciplina da moral religiosa.
domingo, setembro 12, 2010
A Liberdade é Azul?
O azul evoca um movimento a um só tempo, de afastamento do homem e movimento dirigido unicamente para o próprio centro, que, no entanto, atrai o homem para o infinito, desperta-lhe um desejo de pureza e uma sede de sobrenatural. Wassily Kandinsky
As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis: elas desejam ser olhadas de azul. Manoel de Barros
Azul do céu. Alguém vive uma tragédia: a perda do marido, um famoso compositor e da filha pequena em um acidente de carro. Acorda em um hospital, quando recebe a notícia. A vivência dessa dor é tratada de maneira sensorial, do ponto de vista interno da personagem. Cenas azuis.
Azul do vazio. Dor, silêncio, solidão. Na necessidade imperativa e inconformada de continuar, a personagem desfaz-se das referências de seu passado. Não sem antes revisitar a casa, contemplar as sobras de vida a animavam. Dentre os objetos, um pirulito. Degusta-o, tritura-o com força instintiva entre os dentes. Era um pirulito azul.
Azul do não estar em outro lugar, a não ser em si mesmo. Nas sobras, um objeto é preservado: um móbile de pequenos fragmentos de cristal lapidado. Brilho em meio à vacuidade, o móbile é pendurado na sala de outra casa, anônima, local onde se refugia para livrar-se do que foi, dos que foram, do que poderiam ser. O móbile é azul.
Azul da dor contida. Na estrada solitária em busca de um outro lugar, ao caminhar junto a um muro, desliza intencionalmente a mão sobre as pedras até sangrar. Algo externo e forte precisava se contrapor à dor interna, fria, contida, silente, azul.
Azul da água e dos sentimentos. Mergulha em uma piscina e chora. Lágrimas que se misturam (inúteis) no ambiente azul. Azul da água que tudo dissolve e de onde tudo se recria. Azul do mergulho e do inconsciente.
Azul da suavidade das formas. Como alguém que não mais pode ir ao passado e não tem perspectiva de futuro, a personagem fixa-se em detalhes: um torrão de açúcar que se dissolve em um café, no café que dissolve o sorvete. O doce e o amargo, o quente e o frio. Dissoluções. Sentimentos que levam ao azul.
Azul de frias recordações. Um jovem devolve a ela um crucifixo arrancado de seu pescoço durante o acidente. Ela o rejeita. Rejeita a cruz, o sacrifício, a referência antiga. Azul do distanciamento de velhas e desnecessárias bases de apoio.
Azul da libertação dos vínculos (afetivo-familiares, religiosos). A liberdade de fixar-se no que resta em meio à solidão, ao silêncio, à dor pacificada. A personagem reescreve a sinfonia do marido morto a partir das suas próprias referências. Desliza os dedos sobre uma partitura e a música é azul. Uma sinfonia para a união das nações. A busca por novas identidades em contraposição e/ou união-diálogo com o outro. Encontra a amante do marido morto, grávida. Mais um nível de libertação das idolatrias afetivo-emocionais. A personagem ampara a amante e elabora a traição. Uma nova criança nasceria. (Re)significação da união, da perda e da fragmentação em outros níveis.
Sim, a liberdade é azul.
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Trois Couleurs: Bleu (Krzysztof Kieslowski, 1993)
sábado, julho 10, 2010
Quem sabe espera a hora

O lugar era escuro, janelas altas com vidros semi-abertos, de onde se podia ver um céu nublado da tarde de julho. Havia papéis na parede com instruções óbvias: “não encostar na divisória”, “acompanhantes devem aguardar na sala de espera”. Ali, tudo cheirava a dificuldades, algo entre o enfado e a opressão. E era tudo tão lento, deus, tão lento. Com a última senha do dia, conseguida ao custo de muito argumento com um segurança armado na porta de entrada, eu também aguardava a vez diante de um aparelho de TV com a imagem chuviscada. Estavam em greve e atendiam “só urgências”. As senhas eram distribuídas às 6h da manhã. Minha senha era a 106 e ainda chamavam a de número 80. Não, eu não podia reclamar. Fechei os olhos e rememorei o que havia me levado ali. Gritei com um gerente de Banco e meu seguro-desemprego foi bloqueado no mês seguinte. Ele me atendeu com a disposição de um funcionário de banco público ouvindo um desempregado. E eu compartilhava a fila com pessoas muito humildes, que mal conseguiam dizer o que precisavam. Foi o suficiente para me acender a fúria cidadã. Depois do meu escândalo, ele ficou uma seda e resolveu tudo muito rápido. Mas, ao final, disse-me, olhando-me nos olhos pela primeira vez: a gente só quer facilitar as coisas. Por um instante daquele olhar, percebi a inconsciência do seu orgulho pelo pequeno poder de gerente de um banco que nem tinha dono. Tive pena e aí soube que precisava ter me controlado. Para um pequeno teste tinha sido uma reprovação fácil. A sincronia do meu ato com o bloqueio do meu seguro ensinava-me que era preciso ser paciente, aceitar o que não poderia mudar e esperar, esperar e, quando estivesse cansada, ainda assim, esperar. Fechei os olhos e concentrei-me na minha respiração, acalmei a mente e controlei a ansiedade com a constatação de que eu estava de férias, poderia ficar ali o tempo que fosse. Foi, então, que me lembrei de um trecho do Hino ao Sol, do Akenaton. Recitei-o mentalmente muitas vezes, enquanto visualizava um sol no meu peito. Não sei quanto tempo de relógio isso durou, mas o fato é que a sensação física de calor naquela tarde de inverno fez-me abrir os olhos e perceber que um raio de sol infiltrado por entre as nuvens, atingia-me em cheio pelo vidro da janela alta. Foram apenas alguns minutos e as nuvens novamente o encobriram. Sim, o sol estava ali, eu só precisava me lembrar. Perdão, perdão, eu só conseguia pedir perdão. Fui chamada algum tempo depois, não sabia mais medir, mas tudo me pareceu eficiente e rápido.
sábado, maio 22, 2010
Ulisses

as mãos que trouxe
estrela de Antares me desvelo
e, grego, me apregôo.
se é tarde hasteio a vela ao tempo
e velejo à volta de meu ombro. aí vou
e onde ancoro salto e então revejo
a ilha de quem sou não tem fim.
arcano duende sofredor e crente
aceno o pano ao longe e à pele
do país da pessoa de onde eu venho.
aceno e já nem sei se eu creio
ou se advinho, na imagem do nome
do meu rosto, o meu destino.
segunda-feira, abril 26, 2010
quinta-feira, abril 22, 2010
Fluir

a intenção da água é o mar...*
Mia Couto
Hoje você disse que me amava. Simples assim, sem pudor. Rompendo as cadeias, os riscos e medos. Com insuspeitada calma e alegria. Depois de meio dia, suas palavras ainda ressoam
*Mia Couto
Tenho a sede das ilhas
e esquece-me ser terra
meu amor, aconchega-me
meu amor, mareja-me
Depois, não
me ensines a estrada.
A intenção da água é o mar
a intenção de mim és tu.
domingo, fevereiro 28, 2010
Vaga
Flutuava no vácuo. Sem passado, sem futuro. Nem guardados, nem sonhos. Nada que fosse uma bússola ou âncora. Na verdade, nunca foi muito bom