terça-feira, outubro 09, 2007

Cidade de Goiás: meu delírio fundador

Sou uma mulher sem passado. Nunca visitei a cidade em que nasci. Não tenho conhecidos ou parentes na localidade. Uma amiga disse que tive sorte. Que cidades que começam com essa sílaba não costumam dar boa coisa, e, portanto, melhor que eu não me considerasse filha de tal rincão. Nasci em Cuiabá, e não espalhem o fato, se me fazem um favor. Por outro lado, fui plantada em Goiás. Numa cidade criada e, também, sem raízes como eu: Goiânia. Goiânia e eu não temos passado, portanto. Somos rizomáticas e nossas relações são horizontais e sempre novas. Mas, para seguir a moda, podemos inventar um passado, um mito pessoal fundador. Daí resolvi que quero ter origens na Cidade de Goiás. Ô cidade boa. Quero ser uma Fleury Godoy, daquela família de onde saíram as mulheres escritoras, as aparentadas do Bernardo Élis, sabem como é? Não estudei na Cidade de Goiás, mas voltarei lá nos anos de madureza e poderei me estabelecer na “casa de mamãe”. Quero uma construção colonial próxima ao mercado. Local onde irei, anônima, tomar suco de cajuzinho do campo e comer pastel de queijo. Nas manhãs ensolaradas lerei os clássicos que sempre quis ler e nunca tive como, escreverei coisas sem importância. Ouvirei os sinos das igrejas chamando para os serviços e acreditarei em Deus e nos santos. Em tardes quentes, dormirei numa rede preguiçosa e me sentarei à porta ao final do dia para cumprimentar os passantes, encontrar os amigos. Quando acontecer, vou, também, batalhar para acabarem com esse negócio de patrimônio e de festival de cinema. Quero a Cidade de Goiás assim: quente de provocar miragens, indolente, daquele jeito despreocupado de quem tem tudo que precisa e se orgulha de ser assim. Quero a cidade de Goiás intocável, todinha pra mim. Nasci lá, sabiam?

Nenhum comentário: