terça-feira, junho 16, 2009

Carta Capital

Minha filha queria saber sobre as denúncias em torno da morte de Jango que foram publicadas em Carta Capital e ele nos ouviu conversar a respeito. Ele, que, aos oitenta, é sempre o que assiste aos jornais, lê os livros da moda e as revistas semanais, trouxe-nos um exemplar no domingo seguinte, e em todos os outros em que almoçamos juntos. Depois do episódio, ele sempre nos compra uma Carta Capital antes de dirigir meia hora para pagar nosso almoço, contar histórias que me fazem rir, tomar sorvete ao final das refeições e sair dirigindo à toda como se tivesse vinte e nove anos (por muitos anos, meu pai nos disse que fazia vinte e nove em aniversários). Ontem, depois de uma quimioterapia, assistimos parte do jogo do Brasil juntos. No seu enrolado portunhol, ele reclamou de um tal de Pato, indignou-se, aliviou-se com o pênalti que deu a vitória apertada ao Brasil, enquanto eu, secretamente, torcia para os egípcios. Controlei sua febre com medicamentos e minha natural chateação de colocar a mão nele de meia em meia hora. Ele se esquivou e protestou com seu habitual Reina, eu sou homem. Dormimos pouco à noite, mas hoje cedo, ele mal esperou o dia clarear para agradecer-me, dizer que tudo ia ficar bem e despedir-se olhando o relógio, planejando inadiáveis compromissos. Ao fechar a porta depois de acompanhá-lo ao elevador, segurei a última Carta Capital, a que dá mais detalhes sobre a morte súbita de Jango. E foi impossível não pensar na morte e nos pequenos detalhes que fazem toda uma vida.

6 comentários:

Perseu disse...

Viver oitenta anos é para quem merece! E seu pai, como grande homem sábio, é merecedor. Aproveite cada pequeno detalhe dessa convivência, além de enriquecedor é muito prazeroso. E sei bem o que é passar pela dor da ausência dos meus pais.
Trate, reina, de dar a ele o que ele mais deseja: dias de paz e a certeza de que os seus estão seguros. Sabe que os pais querem cuidar da gente até depois da morte. Principalmente cuidar das filhas.
Beijos, saudades insaciáveis.

Atena disse...

Obrigada, querido! Você foi um filho exemplar e é, também, um pai maravlhoso.

Reina (cara, desde que nasci eu tenho um reino, já pensou?). Mil beijos.

Anônimo disse...

Abraço grande para um grande pequeno homem, seu pai :)

Luis

Atena disse...

Oieeee, Luis!!!
Beijo grande pra você. :))

Anna disse...

Só passando pra deixar um beijo!
Lindo texto.
Anna :)

Atena disse...

Anninha, você é uma fofa! Beijos pra você também.