domingo, junho 25, 2006

Inventário

Coisas importantes. Sempre nos atos mínimos. No inventário final, talvez seja o que permanece. A recepção inesperada de um sorriso, o carinho dos alunos, o café quente para acordar o dia, o bolo de chocolate com cobertura de creme de leite da Maria, programa do Raul Gil no hiato despreocupado de uma tarde morna de sábado, a gargalhada na leitura do Drops, a conversa de adultos com Maria Clara, os comentários dos amigos no blog, aquele reencontro no final de uma semana difícil, a aula inteira e energizante na manhã do sábado de sol, os olhos de satisfação dos alunos, as sonecas depois de um bom livro literário após o almoço, o mail surpresa daquele amor perdido, o pequeno reconhecimento depois de árduos esforços, o scrap no orkut, o abraço sincero e amoroso do amigo que você nem vê, o lampejo de esperança. Sutilezas me emocionam. Deve ser por isso que gostei tanto dos poemas de Marcelo Montenegro, o que quer “expressar a vida nas pequenas coisas”:

Buquê de Presságios

De tudo, talvez, permaneça
o que significa. O que
não interessa. De tudo,
quem sabe, fique aquilo
que passa. Um gerânio
de aflição. Um gosto
de obturação na boca.
Você de cabelo molhado
saindo do banho.
Uma piada. Um provérbio.
Um buquê de presságios.
Sons de gotas na torneira da pia.
Tranqueiras líricas
na velha caixa de sapatos.
De tudo, talvez restem
bêbadas anotações
no guardanapo.
E aquela música linda
que nunca toca no rádio.


Poema Estatístico

Tem uma esquina prenha de um latido.
Trechos de pássaros que permanecem
nos muros que ficam. E vice-versa.
Um mail anotado às pressas no canhoto
do tintureiro.
A cirrose portátil. A síndrome do pânico.
O enroladinho de presunto e queijo.

Tem a Mulher mais Linda da Cidade.
Groupies de cabelo rosa. Poodles
da solidariedade. Alguém chorando lágrimas
de tubaína. Penélopes charmosas.
Dick Vigaristas. Um cara que já sai desviando
do cinema Del arte, evitando ser atingido
Por alguma conversa perdida.

Tem a mulher da vídeo-locadora
que não conhece o filme que estou procurando.
Um amigo que diz que escreve só para colocar
epígrafes.
Taxistas infláveis. Manicures em chamas.
Um casal que desce a rua na banguela
prolongando a gasolina daquilo tudo
que um dia fora. Eu ando apaixonado
pela mulher da vídeo-locadora.
Lendo revistas na sala de espera
do consultório dentário. Tem uma
que venta. E um que desiste.
De arranhar os vidros do aquário.

(Marcelo Montenegro)

segunda-feira, junho 19, 2006

Auto-suficiência

Entrou na sala de meditação e postou-se à espera, em silêncio. Alguém conversava algo desinteressante. Sentou-se e manteve o olhar vazio para evitar ressonâncias. Contemplou o dedo ferido pelo sapato. Uma mão cuidadosa invadiu-lhe o campo: as mãos do instrutor. Um óleo, um bálsamo, um carinho, uma vontade de chorar.

quarta-feira, junho 14, 2006

E Viva o Brasil

Alô! Foi assim, de modo imperativo, rápido e ríspido, que a voz feminina atendeu-me do outro lado da linha. É do Hospital do Rim? Arrisquei. É. Ela respondeu, com o tom irônico da idéia implícita: se você discou esse número, é daqui, sim, ô idiota. Ignorei a receptividade e fui logo ao assunto: você tem médico de plantão? Hum? Ela perguntou num tom entre a incredulidade e a indignação. Depois que repeti a dúvida, a fulana encetou uma conversa abafada com alguém (digo que tem ou que não tem? ah, acho que ele foi embora. vá lá ver). Silêncio. Ouço uma TV. O hino nacional. Ah, pode vir. Depois de alguns minutos foi o que disse, antes de desligar, antes que eu ensaiasse uma despedida. Cheguei ao local sem me importar com a identificação de quem havia desligado o telefone na minha cara. Devia ser uma das moças sentadas no hall de espera dos consultórios. Eram dez pessoas, consegui contar, só pra passar o tempo, desviar a mente. Estavam todos em frente à TV. Estréia do Brasil na copa. O médico estaria lá, também, no meio deles? Deus não permitiria, roguei. Sentei-me em algum lugar distante depois de fazer a ficha com uma recepcionista de cara amarrada e retomei minha leitura de Paul Ricoeur, entre mudanças de posição para tornar a dor mais suportável. Com este capítulo, atingimos a meta proposta nos anteriores, em que a ênfase era dada às aporias do tempo fenomenológico...rede globo na copa! A voz do locutor sobressaía-se entre gritos e buzinas. Dor é psicológico. Não estou com dor. Repetia-me entre reflexões a respeito da disposição médica em me atender naquela hora (lá fora estava escrito plantão 24h, azar dele) e o controle da vontade de chorar. Não vou chorar, não vou chorar. Não vou chorar por essa dor, nem por todas as outras. Olhei para cima e concentrei-me nas bandeirolas verde-amarelas que balançavam no teto. Ele chegou apressado: você é a paciente? Não, sou sua mãe, pensei comigo. Fiquei com vontade de rir ao contemplar a figura: aparentava vinte anos, e, dentro do jaleco, uma camiseta da seleção. Eu o tirei de casa na hora do jogo, tive uma satisfação quase sádica ao constatar o fato. Trocamos poucas palavras, o suficiente para que preenchesse os pedidos de exames, indicasse o analgésico que eu já havia tomado meia hora antes e eu fosse rapidamente dispensada. Deve ser rim. Ele concluiu com raro brilhantismo perceptivo. Na saída, atravessei o hall entre as comemorações do primeiro gol. Ninguém notou que não olhei a TV, nem por um instante. Também não fiz comentários sobre minha repulsa à euforia verde-amarela ou ao nosso nacionalismo hipócrita. Corri para casa, tomei mais um Buscopan e me protegi dos fogos de comemoração da vitória do time com um travesseiro sobre os ouvidos. Lá fora, um grito abafado: e viva o Brasil!

quarta-feira, junho 07, 2006

O Cocô do Cavalo do Bandido

Há dias, e não são poucos, em que me sinto assim...

Mas, meus alunos me colocam novamente em pé com tanto carinho e generosidade.
Deus nos conserve nesta relação de amor.

Misticismo

Heloisa, extensão da arte
arte que não se olvida.
Uma - a alma aquece-
Outra- enternece a vida
.


Na faculdade havia uma professora;
Não uma professora qualquer.
Não sei se mulher feito um anjo,
Ou se um anjo feito mulher.

Em seus olhos calmos e serenos,
Havia algo de místico e singular.
Quando surgia na sala,
Como que por encanto,
Algo se punha a brilhar.

Ninguém soube ainda explicar,
Se brilhava por encanto,
Ou se o encanto
Era a luz de seu olhar.


José Maria Alencar – 3o Período

HELOÍSA

Menina, que canta história
Elo, Heloísa, canção
Sob a égide da memória
Traz nos olhos o coração
Alma leve de criança
Mãe de Clara menina
Os olhos que conta a História
A boca que fala e ensina
A mente que ao passado vai
Põe a mão a deslizar
Sob rascunhos e rabiscos
Baús, saudades e cheiros a relembrar
O Elo que liga Heloísa
É tênue como a própria luz
Que do umbigo vai ao céu
Buscando o amor de Jesus
Elo, Heloísa canção
Heloísa Elo coração.

Alba Franco – 1o período

sexta-feira, junho 02, 2006

Guimarães Rosa

"Os rios não querem chegar. Eles querem se tornar mais largos e mais profundos."